A Cidade Era A Noite - Um Homem Sai do Armário

Sonho pouco, mas quando o inconsciente me toma a noite, são sempre visões grotescas. Hoje já não tenho certeza se sonhava ou se enloquecia, naquela noite inquietante.
Narro a vós, leitores, um pequeno lapso de memória, mas que julgo importante para o conhecimento da geral situação da minha insanidade naquele tempo.

Houve um episódio em que um homem foi encontrado morto num banheiro dum bar aqui perto. Eu porventura estava neste bar, no mesmo banheiro. Deu no jornal que o pobre suicidou-se, eu tenho outra teoria, que me bota como o executor desta insânia. A culpa e a incerteza me roíam, quando deixamos o bar, naquela noite de outono.

Voltei dirigindo, deixei Maria e seu amigo na casa dela, e retornei para meu apartamento no centro.

A consciência pesou-me mesmo quando o sono veio, os nervos acalmados e a mente a mil, tecendo hipóteses e tentando desviar-me do meu futuro. Ah, futuro! Fosse hoje mesmo a uma adivinha, sua Bola de Cristal partiria-se ao meio pela simples menção do meu nome. Assim, fui me deitar.

O sono e os sonhos me vieram. Todos envolvendo sangue, Maria e banheiros, e assim foi boa parte da madrugada, até que algo me despertou.
Abro meus olhos. Encontrava-me no meu quarto escuro. A cama de madeira era encostada no canto esquerdo do quarto, ao lado havia uma mesa-de-cabeceira com um rádio e um relógio com mostrador digital, duas e quinze.

Defronte a cama estava o armário de madeira, carvalho. Tenho o costume de dormir com o rádio ligado, num volume baixo. Hoje tocava uma sinfonia qualquer, bem baixinho, quase um sussurro de pianos e violinos.

Atentem-se agora, leitores, para o que aconteceu.

Escuto um barulho de passos. Então, uma das portas do meu armário se abre, e de dentro dela, sai Ludovico. Sim! Ludovico! Saindo do meu armário, abrindo a porta do móvel como se abre uma porta de madeira qualquer! Este, do mesmo modo que sai, fecha a porta do armário, caminha em direção a porta do quarto, abre, sai e fecha-a atrás dele.

Tudo aconteceu num segundo. Eu, ao ver aquele homem saindo do meu armário, petrifiquei-me de medo, como uma criança que teme o próprio Bicho-Papão que sai do armário. Não tive coragem de averiguar se era realmente Ludovico, e se ele ainda estava no meu apartamento. Não tive sequer a menor intenção de levantar-me, de sair debaixo das cobertas. Tive medo.
Após um tanto de tempo, chamei por Ludovico. Não houve resposta. Chamei denovo e denovo. O fantasma, se é assim que posso chamá-lo, havia sumido dos meus aposentos. Eu, um cético publicitário, acovardei-me diante de uma visão, a visão dum fantasma.O fantasma em questão era meu amigo, Ludovico.

No dia posterior, já no meu escritório, encontro Ludovico, que por coincidência aparecera por lá. Conto-lhe sobre minha estranha experiência. Ele, no habitual tom descrente, dá de ombros e diz que eu bebo demais.

Antes fosse a bebida! Pensei. Com bebida é mais fácil: bebemos e entramos num torpor mental para, no dia seguinte, sair dele, carregando apenas a ressaca como lembrança. Isso era diferente. O homem que morreu no banheiro, as súbitas aparições e desaparições de Ludovico e eu, o velho publicitário que enlouquece.

3 comentários:

Márcio Beckman disse...

Parecem bom os textos, uma hora vou tirar um tempo para lê-los com calma.

Aninha disse...

Nossa, Hélio! Que comentário foi aquele no meu poema? "e...

Apesar de ter um monte de palavras no verso errado, é um soneto - agora já arrumado."

Eu não sei fazer sonetos e nem pretendo aprender pois me tira toda a graça ficar contando sílabas ou sei lá o que. Então , se fiz um soneto, foi por acaso. Beijos

Márcio Beckman disse...

Ei, tem um selo pra vc lá no meu blog! Abraços camarada e... volte a escrever!

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